sábado, 14 de junho de 2008

SANTA CEIA OPERÁRIA

Um piquenique entre Fords e Volkswagens. Uma família centrada, tranqüilamente reunida num ambiente quase opressor. Mal cabe o filho caçula que insiste em observar o fotógrafo por debaixo do pára-choque da lustrosa Belina. O ano é 1972, o dia é do Trabalho e a classe operária vai ao paraíso: 1º de maio de um domingo em pleno Parque Estoril, em São Bernardo do Campo. Ao fotojornalista João Colovatti coube a sensibilidade de transcender a banalidade da pauta e eternizar uma cena felliniana, carregada de significado e lirismo para um ABC que viu no operário o símbolo de sua força e, no automóvel, o da sua riqueza.
O mestre Cartier-Bresson ensina que "a fotografia implica o reconhecimento de um ritmo no mundo dos objetos reais. O que faz é perceber e focar o sujeito determinado dentro da massa desta realidade. O que a câmera faz é simplesmente registrar sobre a película a decisão tomada pelo olho". Embora a fotografia seja dependente de um aparto técnico sem fim, o aspecto racional não parece ser o melhor companheiro no momento decisivo. João Colovatti era o típico fotojornalista da "velha guarda", movido pela paixão de encontrar na rua as histórias que ajudava a contar nas páginas do Diário do Grande ABC. Enchentes, buracos de rua, clássicos futebolísticos regionais, acidentes em geral e tantas outras fontes para o fechamento diário eram tratados com a curiosidade e petulância de um menino, com a delicadeza e poesia de um cavalheiro.
Assim, com sua fotografia mostrava toda a sensibilidade escondida em seu metro e setenta e mais de cem quilos de um homem aparentemente bruto. Formado pela vida por meio da convivência com homens simples em bares, ruas e recintos noturnos, apostando na amizade como bem maior, João se manteve na fotografia enquanto pôde. Nunca teve equipamento próprio e fazia do aparato técnico apenas um meio para se sociabilizar, reconhecer-se no outro e fazer parte da vida. Minor White, que dizia "o fotógrafo se projeta em tudo o que vê, identificando-se com tudo para poder conhecê-lo e sentí-lo melhor", encontraria aqui um bom exemplo para ilustrar seu pensamento. João, que nesse 1972 fotografava há apenas dois anos e era completamente autodidata, já mostrava todo o seu talento e sensibilidade para as coisas prosaicas da vida. Um homem sem qualquer ambição, capaz de transformar mais um piquenique de domingo numa verdadeira santa ceia operária

Este texto foi produzido originalmente em 2005 para a disciplina de Psicologia da Arte, durante meu curso de pós-graduação em Fotografia no Senac, em São Paulo. Resolvi compartilhá-lo aqui e agora, em função da exposição Revelações de um Anti-Herói: Fotografias de João Colovatti, que está novamente em cartaz, dessa vez na Casa Amarela, na Fundação Santo André.

Para saber um pouco mais sobre João Colovatti, clique aqui.
Para ler matéria publicada no jornal ABCD Maior, clique aqui.
Para ler matéria no Diário do Grande ABC, clique aqui.

Revelações de um Anti-Herói: Fotografias de João Colovatti
Curadoria de Marcello Vitorino e
produção executiva de Petra Ramos Guarinon
Realização: Fundação Santo André, Casa Amarela e ciiM
Até 28 de junho, de terça a sexta, das 9h às 21h30.
Sábados, das 9h às 16h.
Casa Amarela (dentro do Centro Universitário Fundação Santo André)
Avenida Príncipe de Gales, 821. Santo André
Tel.: 4979-3300

Um comentário:

Caio disse...

Oi, Nilva! Apesar de ser, como vc disse, "um guri" na época em que trabalhavas n'O Estado com meu velho, lembro de ti. Obrigado pela visita ao Cambalhota. Gostei muito das fotos deste blogue, posso linkar com o meu?
Saudações da terrinha.