quarta-feira, 28 de março de 2007

Haikai

Num verão desses
A brisa brincava na rua
Miragem de mar

domingo, 25 de março de 2007

O punk do sapato branco


"Uau! Até que ele não é tão feio!" foi a primeira frase que me chegou aos ouvidos após Wander Wildner penetrar macio e sem alarde no porão da rua Piauí 103, em seu pisante digno de Jacinto Figueira Jr. Sou obrigado a admitir: Señor Wildner realmente tem estilo.
Tudo bem que pode ser o estilo de um bicheiro de folhetim, de um cafetão paraguaio ou taxista de rodoviária, mas tem. Aliás, estilo e carisma, já que o Camalehon - o local do crime - parecia repleto de fãs fervorosos, daqueles que cantam todas as músicas. Fervorosos e pacientes, pois suportaram bravamente a entediante apresentação do convidado da noite - Flu, ex-De Falla - com sua guitarra sem sal e sem açúcar, acompanhado por um laptop que só fez aumentar a ansiedade pelo bom e velho violão.
Já são quase onze e señor Wildner inicia sua apresentação com uma canção que pede suavemente, "não congele a minha imagem". Embora a marca de Os Replicantes o persiga (tem sempre aquele chato que pede um som da banda que o revelou nos anos 80 do século passado), Wildner faz questão de se esquivar de rótulos, apesar de alimentar a imagem do velho lobo solitário, cujo hino é o rock'n'roll.
É nesse espírito, meio como um bandoleiro cujas vítimas são as almas perdidas que perambulam pelas estradas, que o violeiro selvagem faz de qualquer buraco urbano seu paradeiro temporário e destila como poucos todo tipo de sentimento (incluindo os sintéticos) que vai encontrando pelo caminho. Aí é que o menestrel solta a voz rouca e emocionada, irônica e lírica, dando tons nobres aos ares decadentes das paisagens cantadas e confessa, afinado, que "nem na televisão existem cores tão coloridas, nem nos livros, nem na bebida" e, em outra canção avisa: "Eu não me importo com amores desperdiçados".
O show prossegue com muita música nova, além de várias referências aos amigos do Sul, como De Falla, Graforréia Xilarmônica e Os Pistoleiros. É justamente depois da execução d'Os Pistoleiros que Xico Sá (cujo grau de excitação subia a cada canção) grita da platéia, talvez em Ré Maior: "Meu Johny Cash!!". Exageros à parte, señor Wildner faz um show bastante honesto e com muito amor no coração. É um homem que canta o que vive e o que arde em seu peito, sejam cicatrizes ou delírios de um porra louca. Um músico guiado pelo instinto e pelo prazer de dedilhar seu violão. E o melhor: disposto a rodar por aí. O duro vai ser encontrar um Mavericão que combine com aqueles sapatos brancos...

sexta-feira, 23 de março de 2007

Descoberta pelos haikais

Na semana passada, tive o prazer de fazer uma oficina de poesia com a Alice Ruiz. De graça, na biblioteca Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros. Parêntese: quem reclama que não existe boa programação cultural gratuita em São Paulo merece levar umas 100 chibatadas, pra deixar de ser besta, ou distraído. O tema da oficina era Haikai. A Alice nos apresentou aos ‘estados zen para nos tornarmos instrumentos de haikai’: ausência do eu, solidão, grata aceitação, ausência de palavras (no sentido de que nada do que não é necessário merece ser dito), ausência de intelectualização, contradição, humor, liberdade, amor, coragem, materialidade, simplicidade, ausência de moralidade. Foi paixão ao primeiro verso, me senti embevecida. Depois de algumas tentativas a coisa começou a fluir e agora, uma semana depois, já me sinto uma velha haicaista. Brincadeira, mas estou aprendendo! Quer ver?


Bosque outonal
Folhas caem das copas
Cama para mim



Na velha casa
Sabiá preso na gaiola
Canto esquecido



De manhã cedo
A grama se abre
Pisada de sol

O perigo das cores


Olha que triste
a arquitetura do medo.
Quando passo por aqui, murcho.
Grades onde antes havia um muro baixo,
fios elétricos onde antes pousavam passarinhos,
lajotas em vez de terra.
Câmeras que registram zelosamente
frente e verso dos passantes.
Até o moço da Sabesp, coitado,
precisa que lhe abram o cadeado.
Mas o que eu não entendo, mesmo,
é porque seqüestrar a cor.
Será a cor um elemento perigoso?
Uma corzinha qualquer, à toa,
chamariz para meliantes, vagabundos e baderneiros?
Adeus, azuis, amarelos e verdes.
Rosa, então, um desvario!
Melhor ser a feiúra que faz virar a cara,
Nesse lugar onde até as árvores são aprisionadas.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Gore, o herói verde?

No documentário “Uma verdade inconveniente”, Al Gore enfatiza que o seu objetivo é ser o mais claro e didático possível sobre as causas e conseqüências do aquecimento global. De fato, poucas semanas após a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), assistir ao filme é esclarecedor, quase como ter um mãos um ‘guia’ para as conclusões do IPCC.
Mr. Gore, que calcula já ter feito mais de mil palestras sobre o tema em todos os continentes, apresenta com desenvoltura um mundaréu de dados científicos para platéias ao redor do mundo, utilizando-se de recursos como projeções e animações. Até um trecho de Futurama entra na roda (li que a filha de Gore é roteirista da série, criada pelo ‘pai’ dos Simpsons, Matt Groening). Performático, ele chega a subir numa grua para apontar, no telão, onde foram parar as temperaturas do planeta nas últimas décadas. Em outro momento, mostra, com recursos de computação, o mar invadindo as áreas costeiras e cidades como Manhattan, uma simulação do que nos espera se não conseguirmos evitar o derretimento das geleiras da Groelândia. Convincente.
Os dados irrefutáveis sobre o aquecimento global e a mensagem final, de que ainda é possível reverter o quadro, ocupam 2/3 de “Uma verdade inconveniente”. No restante dos 90 minutos, o ex-vice presidente dos Estados Unidos (ou ‘ex-futuro presidente’, como gosta de se apresentar) dedica-se a mostrar sua trajetória como ecologista, iniciada ainda na década de 60, quando era aluno de Roger Revelle (um dos primeiros cientistas a estudar o fenômeno do aquecimento global). O Gore humano, que “decidiu lutar pelo planeta” ao quase perder o filho na década de 80, o Gore que adorava passar as férias de verão cercado pela natureza na fazenda da família, no Tennessee, que chorou a morte da irmã mais velha, Nancy, em conseqüência do câncer de pulmão.
No final das contas é a imagem de Gore que sai fortalecida de “Uma verdade inconveniente”. Ele nunca foi tão pop: pajeado no Oscar 2007, cerimônia na qual o filme, dirigido por Davis Guggenhein, ganhou o prêmio de melhor documentário; indicado ao Nobel da Paz deste ano; promotor do Live Earth ambiental, um concerto global de 24 horas marcado para o próximo dia sete de julho… só falta, finalmente declarar-se candidato às eleições presidenciais de 2008. Alguém ainda duvida? Os senhores da guerra certamente não, pois já gastam sua munição contra o mocinho, que dá seu recado a certa altura do documentário: “Vontade política é um recurso renovável em nosso país”.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Uma verdade inconveniente, um documentário eficiente

Entre um ato de violência e outro, os jornais dedicam muito pouco tempo às questões ambientais. Não que não haja algum esforço: há sempre uma nova denúncia sobre o surrado desmatamento da Amazônia. E, na televisão, mais um gordinho se enfia no meio do mato para explicar a diferença entre sapo, rã e perereca.
No meio disso, sem saber muito bem a quem perguntar – ou mesmo o que perguntar –, a opinião pública fica sem entender direito o que acontece com nosso planeta. Assim que são eleitos e reeleitos estadistas que não se importam com o planeta. Protocolo de Kyoto?
Em Uma verdade inconveniente, o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore não deixa de lembrar ao público que os Estados Unidos e a Austrália foram os dois únicos países desenvolvidos a não ratificar o protocolo de Kyoto, que compromete os países a diminuir a emissão de gases tóxicos na atmosfera. Mas vai além disso.
O documentário vem preencher uma importante lacuna de conhecimento da população, senão mundial, ao menos brasileira. Tão dinâmico quanto é possível a um documentário, com muitas informações e trilha-sonora escolhida com o cuidado digno de obras de ficção, o trabalho desenvolvido pela equipe de Gore se sobrepõe a qualquer suspeita de autopromoção do político. Ela está lá, sem dúvidas, mas parece mínima quando o espectador percebe o comprometimento necessário à criação do documentário e o quanto Al Gore já se dedicou à causa que afirma defender.
Entre conceitos científicos e números espantosos, fica a mensagem de que não é necessário se associar ao Greenpeace ou qualquer outra organização para cuidar do planeta. Basta que façamos escolhas conscientes dentro do nosso dia-a-dia.
Resta esperar que, em alguns anos, entre um filme violento e outro açucarado, Uma verdade inconveniente faça parte da seleção de filmes comprados para exibição em alguma emissora aberta brasileira.