terça-feira, 15 de julho de 2008

Seu Francisco

Seu Francisco sumiu da rua. Durante muito tempo eu nem soube o seu nome, só sabia que era o velhinho que arrastava uma perna e morava em uma guarita ao lado da loja da esquina. À noite ele dormia ali, espremido no espaço de menos de um metro de diâmetro. Durante o dia, às vezes, eu também o via dormindo, sentado em algum banco do parque. Abria e fechava o portão para os moradores mais antigos, não sei se algum lhe dava um trocado, roupas, comida. Quando lhe entreguei uma sacola de roupas, minha boa ação do dia, ele disse que não queria, que era inútil. Na época, não entendi sua reação. Acabou aceitando, mas nunca o vi usando nenhuma das peças. O dono da loja da esquina me contou que também havia tentado lhe dar roupas novas, e que seu Francisco as recusara, fora rude mesmo. Homem azedo, ou amargo, sei lá. Noutro dia, apesar da perna ruim, deu um corridão no garoto que trabalha como vigia e fica sentado na esquina oposta à sua. Durante todos esses anos pensei muitas vezes em entrevistá-lo, pedir que me contasse sua vida, falasse sobre a mulher, as filhas que às vezes o visitavam na guarita e por que vivia daquela forma, apartado da família, dias e dias, anos e anos indo e vindo nesta ruazinha de uma quadra, como um cão sem dono. Não o fiz, não sei exatamente por que, e agora é tarde. Faz pelo menos um mês que Seu Francisco sumiu da guarita e da rua. Passou mal, foi levado para um hospital e não voltou mais.

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