terça-feira, 29 de maio de 2007

Sobre livros e Clarice

Quando eu era criança, ganhava brinquedos e roupas (estas sob protestos); depois, jovem, discos, livros; adulta, os presentes preferidos passaram a ser mesmo os livros, que não têm prazo de validade, não deformam e são absolutamente wireless e portáteis. Nada mais útil, eterno, atual, pessoal, enriquecedor, embora nos últimos anos eles venham se acumulando numa pequena montanha, à espera do tempo para leitura, que nunca chega.
Neste último aniversário, um dia chuvoso e frio de maio (brrrrr....cadê os lindos dias de outono?), recebi uma seqüência de presentes deliciosos da família e dos amigos mais chegados, capazes de derreter mesmo grossas camadas de gelo: chocolate, flores DVD e, é claro, os livros: “Quase memória”, de Carlos Heitor Cony, “Um filme é para sempre”, de Ruy Castro e “Clarice Lispector – Entrevistas”.
Como jornalista e fascinada pelo mundo íntimo, profundo e misterioso criado por Clarice em seus livros, ataquei de imediato o conjunto de entrevistas feitas pela escritora para as revistas Manchete e Fatos & Fotos. Queria conhecer uma outra Clarice, mais exposta, que, sem ser, estava jornalista. Nas suas entrevistas não há traço de agressividade, ou a arrogância comum aos textos feitos pelos profissionais de redação. Clarice assume uma persona tão fascinante quanto a outra, de escritora cultuada. Da entrevistadora que desce ao chão e, ao se expor, convida o entrevistado a também mostrar seu mundo e seus sentimentos; a da interlocutora que não tem medo de fazer perguntas essenciais (ou absolutamente pueris, depende do ponto de vista) - e de receber, por vezes, respostas monossilábicas e sem graça (“O amor é o amor”, limitou-se a dizer Pablo Neruda, o autor de centenas de sonetos de amor). Mas estratégia da alteridade e do risco valeu a pena, porque de outras vezes Clarice recebeu respostas que são verdadeiros presentes.

Uma de minhas preferidas é a entrevista com Nelson Rodrigues. Dois trechos:

Nelson, você se referiu à solidão. Você se sente um homem só?
Do ponto de vista amoroso eu encontrei a Lúcia. E é preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal.

Ah, Nelson, isso é tão verdadeiro.
Mas, diante do resto do mundo eu sou um homem maravilhosamente só. Uma vez fiquei gravemente doente, doente para morrer. Recebi em três meses de agonia três visitas, uma por mês. Note-se que minha doença foi promovida em primeiras páginas. Aí, eu sofri na carne e na alma esta verdade intolerável: o amigo não existe. (…) Eis o que eu queria dizer: o amigo possível e certo é o desconhecido com que cruzamos por um instante e nunca mais. A esse podemos amar e por esses podemos ser amados. O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência.

Um comentário:

Dauro Veras disse...

É sempre inspirador vir aqui. bj